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Visibilidade lésbica, pandemia e a invisibilidade em casa

Ser lésbica no Brasil é massacrante. Com o isolamento social, a lesbofobia passou a ser vivida em casa. É imprescindível que sigamos promovendo a proteção e a saúde da juventude lésbica no Brasil.

Por Lorranny Castro

Agosto chega e com ele chegam duas datas importantes para o movimento LGBTI brasileiro: 19 e 29, Dia Nacional do Orgulho Lésbico e Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, respectivamente.

Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, 2016. Foto: Amanda Silva Rodrigues

Ser sapatão no país que matou Luana Barbosa e que segue estuprando, em média, 6 lésbicas por dia é massacrante. Ter como segurança a sua casa, onde o acolhimento familiar não existe, é profundamente doloroso. Contudo, inúmeras mulheres precisam viver o isolamento social junto de seus familiares, que não as reconhecem nem apoiam.

“Viajei por 3 meses e voltei para casa no começo da quarentena. Com tanta coisa acontecendo, achei que nossa relação fosse melhorar, mas não.”, contou Isa, que mora junto da mãe. “Ela proíbe que eu veja minha namorada e se me encontro com qualquer amiga, ela fica dias sem falar comigo, muda o comportamento, briga, diz que não aceita esse tipo de coisa na casa dela”, disse.

Os discursos lesbofóbicos podem acontecer impulsionados por diversas motivações e “justificativas”, que na verdade são injustificáveis pois se tratam de violências.

No caso de Isa, a mãe costuma citar a religião. “Atualmente não estamos conversando e é sempre assim, não tem conversa. Ela traz um discurso muito formado sobre a Bíblia para me atacar.”, falou. “Nessa quarentena, percebi que não vale mais a pena discutir e que deixa-la brigar sozinha é o melhor pra mim”, contou Isa.

A ênfase nos conflitos familiares em período de isolamento social acontece não só por toda a tensão que o mundo vive, mas também pela convivência ainda maior em casa, que obriga as pessoas se olharem de frente. Além disso, muitas das alternativas de refúgio e autocuidado estão limitadas, tornando o acolhimento mais difícil.

Não é possível sair com amigas, participar de grupos presenciais e nem seguir com as antigas rotinas. Assuntos polêmicos surgem e, no meio disso tudo, é muito delicado ser visível e orgulhosa enquanto mulher lésbica debaixo do próprio teto.

No caso de Camila, que ainda não se assumiu em casa, a relação também tem sido tensa. Ela conta que mais convívio gera mais conversas, e com elas, mais comentários preconceituosos. “Um exemplo foi a discussão sobre a propaganda do dia dos pais com o Thammy Miranda, em que expliquei a diferença de homem trans e mulher trans, mas só o fato de eu querer explicar gerou ataques contra mim. Eles dizem que se eu defendo tanto esse povo, devia me assumir logo”, disse.

A questão é que se assumir, por vezes, não é uma opção em muitas casas, como na de Camila. “Aos 14 anos minha mãe me chamou para perto de minhas irmãs e disse a nós 4: ‘Se uma de vocês for sapatão, não se assuma dentro da minha casa. Eu não aceito sustentar uma filha para ela ser gay, que é algo que eu não gosto e que não me entra.” Desde então, Camila segue em casa, e segue no armário. “Quando eu sair de casa, vou dizer: ‘mãe, eu nunca levei rapaz em casa porque eu sou lésbica’, mas pelo menos eu vou estar fora, entende? Vou fazer do jeito que ela pediu”, ela disse.

Segundo o Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil de 2014 até 2017, a maioria das mortes registradas de mulheres lésbicas, entre assassinatos e suicídios, aconteceu entre 20 e 24 anos de idade.

Sendo assim, é imprescindível que sigamos promovendo a proteção e a saúde da juventude lésbica no Brasil. A Coturno de VênusAssociação Lesbofeminista, Antirracista, Anti-LGBTIfóbica e Anticapacitista do Distrito Federal, tem realizado uma campanha de apoio em suas redes sociais.

Chamado Sapatão na Pandemia, o projeto oferece dicas para manutenção da saúde e, por meio de parcerias, viabiliza apoio psicológico online e gratuito a pessoas LGBTI em período de Covid-19.

Brasília, 2019. Foto: Marina Santos

Ao perguntar para Isa e Camila sobre quais têm sido seus refúgios nas horas difíceis em casa, elas falaram principalmente sobre amigas, namorada e professoras acolhedoras. Redes de apoio, mesmo à distância. Sendo assim o desejo para este mês da visibilidade lésbica no qual não podemos estar perto presencialmente é inspirado nelas: sigamos em rede, sigamos juntas, sejamos acolhimento.

Lorranny Castro é mulher lésbica, comunicóloga, doula e educadora perinatal. Colunista da Agência Jovem de Notícias.

Imagem destacada: Paula Rodrigues/Ponte Jornalismo