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Sobre ser artista… e LGBTQIA+

Uma reflexão sobre ligações e descobertas entre a arte e as vivências LGBTQIA+

Por Erik Martins

Uma vez pediram à atriz Fernanda Montenegro uma dica para quem quisesse seguir a carreira artística. Ela respondeu: desista.

Disse para procurarem outra coisa que fosse do interesse de cada um. Isso se fosse o caso de alguém glamourizar a profissão e visasse apenas o estrelato. Agora, se depois disso morresse, se não conseguisse ficar longe da arte, aí sim, deveria se dedicar à profissão.

Quando ouvi pela primeira vez esse conselho, me doeu. Mas refletindo, entendo o porquê de ela dar tal sugestão. É porque a arte não é fácil e linda como parece.

Ser artista é como entrar em um processo de autoconhecimento, mas sem o/a psicólogo/a. É você, a todo o momento, refletir sobre si e sobre o que está em seu entorno; ver com outros olhos, perceber por outros ângulos o que aconteceu, acontece e possivelmente acontecerá. É sobre ter consciência de suas qualidades e poder ampliá-las e fortalecê-las; e também de seus defeitos e limitações.

Todos nós, ao longo de nossas vidas, somos moldados por nós mesmos e pelos outros. E a arte nos obriga a prestar atenção a essas formas disformes que somos. Todos somos um pouco transformados, um pouco invalidados e desacreditados. Para o ideal (que não é nada real) da sociedade, todo mundo é um pouco errado.

Mas o que acontece quando você é visto como o próprio erro?

Nossa sociedade, por mais que tenha avançado, ainda é muito preconceituosa. Ser LGBTQIA+, que é (ou deveria ser) algo completamente normal, é ainda um ato de resistência. E somos educados desde nossa primeira infância a ser quem não somos. Então crescemos, criamos a coragem de nos escutar, e (alguns) nos descobrimos artistas.

Só que quando vamos nos conhecer mais a fundo, como a arte exige, encontramos algo como um campo minado; um terreno irregular, enevoado, com pitadas de explosões vulcânicas por aqui e por ali, e chuvas torrenciais.

Um cenário um tanto caótico, não é?

Então começa o processo. Para todo artista. E não digo que para alguém seja fácil, mas para os artistas LGBTQIA+ ele é dobrado. É preciso perceber os nós que os traumas nos causam e, pouco a pouco, ir desfazendo e nos libertando.

O artista se sensibiliza. O artista LGBTQIA+ se salva.

Isso porque vamos conhecendo mais a fundo quem somos, nossos desejos, sonhos, gatilhos, todas as vozes dentro de nós que foram silenciadas. Em uma verdadeira revolução interna nos potencializamos, nos tornando realmente esses agentes de transformação social que somos enquanto artistas.

É como entender esse terreno “catastrofizado” e trabalhá-lo para que se torne limpo e fértil.

Mas essa não é a nossa única razão de ser. Não paramos por aí. Somos também muito diferentes e falamos das mais diversas questões, então não nos engesse em uma única pauta. Nossas artes refletem a sociedade em suas mais variadas formas. Somos tantos e temos muito a acrescentar. E tudo com essa energia retumbante de quem se liberta a todo instante para ser quem se é de verdade.

Erik Martins é psicólogo, ator e ativista dos direitos humanos. Pesquisador das artes como forma de expressão e manifestação social. Escreve para a Agência Jovem de Notícias.