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“Hoje eu sou a bicha que eu sempre quis ser”

Por Sol Almeida

 

Desde pequena ousada

Criança viada

Sem desconfiômetro

Mas cintilante a cada centímetro

Já brinquei de carrinho

Só que o meu forte mesmo era ser garota da laje

Entre os primos o que brincava sozinho

Na escola

O que não jogava bola…

Queria rever aquela criança viada

E mostrar pra ela que hoje eu sou a bicha que eu sempre quis ser.

 

Cresci sem referências positivas sobre diversidade. Sempre ouvia “conselhos” sobre a segurança de ser e estar no mundo pronta pra construir o futuro – claro, sem modificar a ideia do (cis)tema hierárquico e conservador em que vivemos. Hoje amadurecendo ideias sobre futuro, entendo que eu sou futuro de meus pais e avós, esse papel revolucionário da juventude não pode esperar que eu engesse em ser adulta.

Quando penso em como me constitui e vejo como outras crianças conseguem se espelhar em referências, me alegro muito. Me traz a sensação de que faço parte de uma geração de LGBTTQ* mais saudável e disposta a sair do armário por ter essas referências positivas. Inclusive essas figuras de representatividade alimentam também minha vontade de estar no mundo mais íntegra, plena. Por exemplo, hoje ocupamos espaços interessantes na comunicação, em nossos próprios espaços de criação e também em lugares em que nunca nos vimos antes. Ainda não é da maneira como gostaríamos, mas é visível a força que temos em continuar participando da lapidação dessas representações sobre nós. Acontece que não queremos mais viver como estávamos acostumadas, sobreviver secretamente nos porões da sociedade.

O que impulsiona isso é ver a luta diária trazendo resultados interessantes, ainda que mínimos, consideráveis. Hoje já é real o casamento para pessoas homoafetivas, já não é necessário um laudo médico para a retificação do nome social, temos algumas políticas trabalhistas de inclusão, parece pouco e é, mas traz força pra fazer mais.

Se eu pudesse rever aquela criança viada eu realmente teria muito o que mostrar pra ela, nós fazemos parte de um futuro do qual nunca imaginamos.