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Direitos da população trans nos aparelhos de saúde pública

Por Nath Oliveira e Patrícia Borges, jovens Pra Brilhar

Estudos expõem as inúmeras dificuldades no acesso e permanência das pessoas trans nos serviços oferecidos no Sistema Único de Saúde, evidenciando o desrespeito ao nome social, a trans/travestifobia como obstáculo à busca de serviços de saúde e causas dos abandonos de tratamentos em andamento. 

Pessoas travestis e transexuais são as que mais enfrentam dificuldades ao buscarem atendimentos nos serviços públicos de saúde – não só quando reivindicam serviços especializados, como o processo transexualizador, mas em diversas outras ocasiões nas quais buscam atendimento – pela enérgica trans/travestifobia que sofrem atrelada à discriminação por outros marcadores sociais – como pobreza, raça/cor, aparência física – e pela escassez de serviços de saúde específicos.

O desrespeito ao nome social, a trans/travestifobia nos serviços de saúde e o diagnóstico patologizante no processo transexualizador se apresentaram como principais impedimentos ao acesso. Transexualidade não é mais classificada como doença, anunciou a Organização Mundial da Saúde. Após 28 anos, a OMS lançou uma nova edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) e, nela, a transexualidade, até então entendida como “transtorno de identidade de gênero”, deixou de ser uma “doença mental”, mas continua incluída no catálogo como “incongrue”.

Em 1997, o Conselho Federal de Medicina (CFM) por meio da Resolução n. 1.482/97, autorizar – a título experimental – a cirurgia de transgenitalização no Brasil. A resolução foi revogada em 2002 em 2010 através da Resolução n. 1.955. Que estabelecem que o critério para realizar a cirurgia seja a pessoa ser transexual e portadora de “desvio psicológico permanente de identidade sexual com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio” (CFM, 2010) E apenas em 2018 a OMS (Organização Mundial da Saúde) deixou de considerar a transexualidade como um transtorno mental e desvio psicológico.

*Segundo o Art. 196 da Constituição Federal de 1988, a saúde e direito de todos e dever do Estado.

O Sistema Único de Saúde (SUS) conta com políticas direcionadas a parcela LGBTQIA+, como a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). E também o Processo Transexualizador do SUS, criado em 2008 e ampliado em 2013.

Dificuldades das pessoas trans nos aparelhos de saúde

*Em 13 de agosto de 2009, o Ministério da Saúde lançou, através da portaria nº 1820, a Carta dos Direitos dos Usuários do SUS. A carta tornou obrigatório haver em documentos de identificação dos usuários, como prontuários, um campo a ser preenchido com o nome pelo qual o usuário deseja ser chamado.

*Isso não deve ser realizado de forma desrespeitosa ou preconceituosa, pois a carta afirma que “todo cidadão tem direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação. 

Principais problemas enfrentados: desrespeito ao nome social adotado, preconceitos com pacientes soro positivo(Hiv/Aids) e discriminação.

Em uma entrevista com 15 pessoas trans para verificar as dificuldades e os obstáculos que elas enfrentavam para ter acesso a saúde pública no SUS, todas relataram dificuldades que elas sofreram e ainda sofrem ao tentar se consultar em Centros de Referência e Hospitais Públicos.

Na maior parte dos relatos, a falta de atenção e cuidado dos médicos para com o nome social adotado foi uma das piores situações – mesmo esses profissionais tendo total consciência do nome social, continuam adotando o uso do nome de registro, causando constrangimento.

Algumas mulheres trans afirmaram que o acesso delas aos equipamentos de saúde pública sempre foi um problema. Muitas delas por vezes preferem se tratar em casa do que ir ao hospital, com medo da falta de respeito para com seus corpos e identidades.

Outro relato forte de preconceito vem de pacientes com HIV/Aids, que muitas vezes são ainda mais recriminadas por profissionais do sistema público de saúde.

Em uma experiência pessoal, pude ver de perto esse atendimento: realmente é um ambiente no qual as pessoas trans de fato não se sentem 100% seguras. Ao chegar com uma amiga a um hospital, presenciei em vários momentos nossa identidade social ser negada; enquanto eu e ela estávamos conversando na recepção, o médico saiu do consultório para chamar minha amiga e voltou novamente para a sala. Conseguimos ouvir ele e a equipe rindo no corredor. Foi uma situação extremamente desconfortável.

Este texto faz parte dos materiais produzidos pela turma 2020.2 do projeto Pra Brilhar, da Viração Educomunicação, em parceria com o Programa Municipal de DST/Aids do Município de São Paulo.

Imagem destacada: portal Justificando/reprodução