Juventudes

Danças a 2 e heteronormatividade: desafios e oportunidades para o público LGBTQ cair na dança

Por Mariana Franco.

Dançar abraçadinho com alguém que a gente gosta é uma delícia, não é? Mas, infelizmente, poder dançar com seu crush/namorado (a)/marido/esposa em um baile sem ser importunado ainda é um privilégio de pessoas cis e heterossexuais.

As danças sociais a dois (mais comumente conhecidas como danças de salão) têm a importante característica de serem  – o nome já diz – danças sociais: sua prática não pode (ou não deveria) ser dissociada do ambiente social (os bailes, as festas). Dançamos forró, samba, zouk, tango ou qualquer outro ritmo não só pela atividade física ou valor artístico, mas também para conhecer outras pessoas, encontrar e fazer amigos, conversar, beber algo, nos divertir e – por que não? – paquerar.

Mas os ambientes sociais da dança não são um espaço à parte, regidos por leis próprias. Estamos inseridos em uma sociedade patriarcal, machista, classista, racista e homofóbica. Todas essas características podem ser encontradas numa pista de dança. As situações de desrespeito e preconceito enfrentadas pelos que se aventuram a dançar fora do padrão tradicional (representado pela casal cavalheiro/dama) são diversas.

Perceber olhares, risos, comentários desmotivadores ou depreciativos. “Tem mulher sobrando pra dançar, não precisa disso”. Ser fisicamente separado e impedido de dançar com um par do mesmo gênero. Ser preterido para dançar e tomar chá de cadeira nos bailes. Ser levado ou forçado a ocultar uma relação afetiva para não sofrer represálias. Essas foram apenas algumas situações enfrentadas por mim e por amigas e amigos não hétero nos meios tradicionais da dança a dois. É claro que isso afasta o público LGBTQ da dança… para que passar por situações assim, se eu posso escolher não?

Temos aí outra porta fechada, outro caminho negado. As danças a dois podem ser um meio fantástico de conhecimento do próprio corpo; uma ferramenta para aprender a se aproximar e lidar com outras pessoas, para aprender a confiar, tocar e se deixar tocar com cuidado, respeito, segurança. Uma forma de acessar e expressar a nossa subjetividade e sensibilidade. Uma ferramenta social poderosíssima para aproximar pessoas, criar laços, abandonar a solidão. Todos esses temas tocam a comunidade LGBTQ. E se usássemos tudo isso a nosso favor?

Felizmente, nossa sociedade (e as pistas de dança) também estão se modificando: estamos testemunhando o avanço de discussões sobre feminismo, representatividade, LGBTQfobia, racismo. No meio das danças a dois, ainda somos minoria, mas há projetos, aulas, bailes e práticas voltados ao público LGBTQ e espaços de acolhimento e discussão onde podemos refletir, aprender, dançar e nos expressar como somos, ponto final.

O recorte de classe e raça é ainda outro fator a ser considerado. Apesar da origem popular das danças a dois, como o samba e o forró, esses ritmos sofreram uma apropriação por camadas médias e altas da sociedade. O ensino e a prática acontecem majoritariamente em espaços privados, centrais, elitizados – excluindo duplamente o público LGBTQ, não branco e periférico. Discussões e ações que visam popularizar, descentralizar e democratizar o acesso às danças a dois são ainda incipientes – mas estão surgindo.

Aliás, corpos dissidentes dançando juntos precisam ser vistos! Muitas vezes, a possibilidade de dançar a dois nem nos passa pela cabeça porque somos carentes de referências. Sabe a representatividade? Ela importa. Então vou deixar algumas sugestões de espetáculos, bailes e projetos para conhecer, pra gente ter novas referências e, quem sabe, você que está lendo não se anima a começar a dançar?

Sugestão para assistir (imperdível, viu?):

O espetáculo Salão, do coletivo artístico Casa 4, formado por dançarinos homossexuais de Salvador, vai ter única apresentação no dia 18 de maio na Galeria Olido, às 20h, dentro da programação da Virada Cultural. O espetáculo busca refletir sobre as relações construídas pela dança de salão nos corpos dos artistas envolvidos: corpos viados, afeminados, fetichizados, brutos, sensíveis e mais um bocado de coisa. A entrada é gratuita e a distribuição de ingressos começa uma hora antes do espetáculo.

Sugestões para aprender:

Mulheres Que Conduzem: turmas de dança de salão livre de gênero, preços populares.

Dança LGBTSP: turmas de dança de salão para o público LGBTQ.

Tango Entre Mulheres: turmas de tango exclusivas para mulheres, trans ou cis, independente da orientação sexual. Preços populares. Descontos para mulheres negras e trans.

Dançarilhos: turmas de dança de salão livres de gênero. Trabalha com economia solidária e oferece cotas sociais e raciais.

Sugestões para dançar:

Baile Contemporâneo de Dança de Salão: organizado pela Cia Dois Rumos. Um baile totalmente aberto à livre expressão da individualidade e dança de cada pessoa.

Xoxote e Prática de Forró Livre de Gênero: bailes de forró com aula e música ao vivo, pra arrastar a chinela livre de gênero. Ambos organizados pelas Mulheres que Conduzem.

Las Tardecitas: prática de tango popular onde dá pra dançar com quem quiser, como quiser. Entrada colaborativa.

Dançar abraçadinho com alguém que a gente gosta é uma delícia. E a gente vai dançar abraçadinhos, abraçadinhas e abraçadinhes sim!